A cidade dos corvos


A chuva insiste em cair, enchendo as ruas de água. As nuvens negras cobrem o sol, tornando a cidade ainda mais cinzenta do que já é. O vento faz as janelas bater, madeira em madeira, com os restos de vidros a partirem e cair, mergulhando nas poças que cobrem os passeios. A cidade está vazia, apenas povoada por mim e pelos corvos. Penas negras, olhos vermelhos.

Enquanto ando eles olham para mim, cada um com dois pequenos rubis por cima do bico que conseguem olhar diretamente para a minha alma. Alguns, algumas vezes piam, não para me fazer companhia, mas para me relembrar que esta cidade é deles. Eu sou apenas um intruso nesta floresta de cimento e tijolos.

Deambulo pelas ruas sem destino, a espera de encontrar qualquer coisa que me diga que estou no caminho certo. A única vantagem de não ter para onde ir é que nunca me posso perder, pelo menos não realmente.

Vagueio pelas artérias da cidade e pergunto-me se não estou a andar em círculos, pois sem pessoas para lhe dar vida, cada fragmento da antiga metropolis não passa de um cadáver, todos iguais com a exceção de alguma cor que insiste em permanecer nas paredes, antigas palavras de ordens contra um sistema que colapsou a muito tempo.

Por mero acaso encontro o que resta de um pequeno parque infantil. A armação de um baloiço continua no sitio, ainda com uma corrente a pender, bailando ao vento, a procura da sua irmã e do bocado de madeira que as unia. Um castelo de ferros ainda se aguenta, apesar da sua cor original ter sido trocada pelo castanho da ferrugem que agora o cobre.

Uma lembrança de uma vida passada vem ao de cima sem ser convidada, varias visões de quando eu brincava, inocente e puro, num parque igual a este parque, com o sol a reluzir, os baloiços a chegar cada vez mais alto e a trepar até ao topo do castelo. Lembro-me dos joelhos esfolados, dos jogos de apanhada e escondidas e daquele primeiro beijo por baixo da arvore que nos brindava com a sua sombra.

Os corvos piam outra vez. Todos.

E eu percebo-os. Eles são os donos deste sitio. O meu lugar é noutro sitio, noutra vida.
Eles conquistaram o seu lugar no mundo. E então parto para conquistar o meu

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